segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cidades

Redes sociais espelham insegurança



Redes sociais espelham insegurança
Relatos na internet sobre casos de violência repercutem e trazem impacto sobre a sensação de segurança da população
                        
O relato que ilustra essa página de O Poti/Diário de Natal, logo ao lado, foi escrito pela jornalista Zhamara Mettuza. Ela usou uma rede social para compartilhar com seus seguidores um drama que vivenciou na noite fria de terça-feira, 13 de fevereiro. Naquela noite Zhamara diz que "nasceu de novo". Ela chegou do trabalho, tomou banho e levou sua cachorrinha poodle para passear, como faz costumeiramente. Conta a vítima: "Não costumava levar o celular, mas um amigo ficou de ligar e atendi o telefone em uma área residencial, próximo à esquina de uma rua perto da minha casa. Estava distraída. De repente percebi aquele cara com capacete. Alto, magro, de moletom e calça jeans. Ele parou a moto do meu lado".


twitter/Divulgação
Durou apenas dois ou três minutos, mas foi uma ação violenta. O homem agiu com rispidez, abordou Zhamara insistindo que queria dinheiro, celular e tudo mais que ela tivesse. Não gritava, mas era violento. Quem gritou foi Zhamara. Gritou muito. A cachorrinha latia sem parar. O homem ficou assustado. A arma falhou. A poodle não parava de latir. Algumas pessoas observavam a cena, impossibilitadas de agir sob pena de tomar um tiro no peito ou na testa. Acuado, o assaltante agrediu Zhamara. Atirou uma, duas, três vezes. "Deu três coronhadas na minha cabeça. Pingava sangue na minha mão. Ele parecia aflito com os latidos dela [cachorrinha]. Eu também estava atônita. Sabia do perigo, mas não parava de gritar feito uma louca", conta a jornalista, que ao fim entregou o celular e viu seu algoz dobrar a esquina com a moto. Conforme relatou no Twitter, Zhamara foi acudida e voltou pra casa.

Ser assaltado parece algo corriqueiro. A forma violenta da ocorrência com Zhamara Metusa não. Após perceber que sangrava muito por causa da coronhada na cabeça, os familiares a levaram para o hospital. Tomou quatro pontos. Apesar do susto, ela conta que assim que pôde descreveu tudo no Twitter. Foi o desabafo, seguido de centenas de recados de seus amigos, lhe prestando solidariedade. As redes sociais hoje se tornaram um reduto de informações prestadas por pessoas conectadas, e não poderia deixar de ser também um grito de socorro de problemas sociais como a violência urbana de roubos, assaltos e homicídios que assustam a população.

Os números são subnotificados, mas ultimamente, o noticiário policial da capital e de várias cidades do interior do Rio Grande do Norte ganhou novos depoimentos. Fuga de quase 50 pessoas no sistema penitenciário, mais de 30 assaltos a ônibus em um mês, dezenas de carros roubados, roubos a agências bancárias, shoppings, supermercados, lotéricas. Tudo se viu e tudo se leu sobre nas redes sociais mais conhecidas e utilizadas: Twitter, Facebook, Orkut. Fontes antes não tidas como oficiais agora ganham status de depoimentos verdadeiros. Os sites se tornaram tão úteis (ou inúteis, quando o relato da ocorrência não passa de boato) que tanto a imprensa escrita, falada e televisionada se utiliza deles, assim como o fazem as autoridades policiais. Ir à frente do computador, relatar furtos e roubo de carros, assaltos, fuga em massa de delegacias e presídios, batidas e acidentes de trânsito também se tornou algo comum.

A insegurança seria maior que a realidade? "Não", diz a professora Ana Cecília Aragão Gomes, que leciona Opinião Pública e Mídia no curso de Comunicação Social da Universidade Potiguar (UnP) e acha que o excesso de relatos vistos nas redes sociais após algum acontecimento de insegurança na cidade é um fenômeno novo e que modifica a produção de sentido das informações. "São pessoas comuns noticiando o que acontece em seu cotidiano. No momento em que se começa a ver e ouvir tudo aquilo, os relatos de violência ganham também as páginas dos jornais tradicionais e passam a demonstrar que cresce o sentimento de insegurança entre as pessoas. Uma insegurança construída a partir de mensagens, discursos, narrativas de um meio - a internet, que tem reflexo no mundo real", explica.

Visibilidade
Os dados oficiais nem sempre condizem com a quantidade de pessoas que, após uma ondade assaltos, por exemplo, conta a situação que vivenciaram nas redes sociais da internet. Isso se explica por dois fatores: nem todo mundo registra a ocorrência na Polícia Civil e os veículos de comunicação só noticiam após apurar a informação. "A violência é inerente ao ser humano. Com o aumento da quantidade de relatos percebemos a espetacularização da violência, que está presente em todas as classes sociais. Com essa visibilidade grande da violência, as pessoas procuram se proteger cada vez mais. Por isso cresce o número de pessoas que instalam cercas elétricas, câmeras de vigilância. Mais vigiada, a pessoa se sente também mais vigilante. É o impacto de algo que começa nas redes sociais, mas que repercute no cotidiano", opina Cecília.

A jornalista Zhamara Mettuza, que abriu essa reportagem, confessa que sempre participou de campanhas iniciadas nas redes sociais com intuito de denunciar o aumento da insegurança no Estado, embora nunca houvesse sido vítima. "A violência cresceu. E não é por causa do uso dasredes sociais, onde mais pessoas podem contar o que viveram, que percebemos isso. A cidade está mais violenta sim. O conjunto onde eu moro era famoso por reunir pessoas na calçada e quase não haver relatos de assaltos. Hoje tomo conhecimento de assalto a várias pessoas aqui perto de casa toda semana. Não se pode mais colocar cadeiras de balanço na porta de casa. A sociedade tem que se mobilizar. Exigir segurança. Algo urgente precisa ser feito", alerta.

Dimensão real da insegurança


Após sofrer assalto violento na rua, Zhamara postou experiência e viu repercussão instantânea. Foto: Ana Amaral/DN/D.A Press
Ter a dimensão real da insegurança que assola a população é algo que divide opiniões no que se refere à dimensão dos relatos, mas que ressaltam o novo papel das redes sociais como uma fonte a mais no mundo da comunicação. Guardadas as proporções, seria como a História Oral para os historiadores, que se tornou uma alternativa de registro do passado diferente da documentação oficial. O site Via Certa Natal, criado há um ano e que utiliza o Twitter para colocar informações sobre o trânsito na capital, costumeiramente posta ocorrências de roubo a carros, batidas e assaltos no transporte coletivo. "Se a violência aumentou ou não? Difícil de responder. O fato é que colocamos apenas informações após tomar o cuidado de checar se elas são verdadeiras. Por isso, como publicamos muitas ocorrências, acredito sim, que a violência aumentou mesmo", afirma Hudson Silvestre, idealizador do site.

Checar a informação é algo que, para a Polícia Militar, é fundamental. Desde o dia 8 está em ação um plano de segurança chamado Metrópole Segura, a intensificação do policiamento ostensivo depois a onda de crimes como os assaltos, registrados entre janeiro e fevereiro. "As informações postadas em qualquer meio de comunicação ajudam o sistema de segurança pública a mapear onde existem ocorrências e adotar medidas para inibir esse tipo de ação. O que traz transtornos e prejuízos são as ocorrências fictícias. Os trotes virtuais prejudicam nosso trabalho. E é ruim para a população porque aumenta a sensação de insegurança. Em vez de um serviço, essas pessoas que usam a internet para dizer falsas ocorrências fazem um desserviço", opina o comandante da corporação, coronel Francisco Canindé de Araújo.

A professora Ana Cecília Aragão ressalta que os boatos são informações especulativas, sem apuração. "A imprensa apura a notícia, só publica depois de checar a veracidade do fato, mas é um recorte da realidade, um espelho do real. As redes sociais são um 'outro olhar' das notícias, ampliam e rompem aquele modelo comunicacional tradicional do emissore do receptor. Elas geram pauta nas redações, mas é preciso observar como o fato será levado ao produto final. Ai se incluem fatores como interesses dos veículos, e outros tipos de interesses como o perfil editorial do jornal, a manipulação política da informação e a força dos anunciantes", cita como exemplos.

Fenômeno duradouro


Carlos Santos/DN/D.A Press
As redes sociais são democráticas, diz a professora Ana Cecília Aragão, e quebram a relação de poder e visão de grupo das pessoas. Como qualquer um pode ter acesso, a estrutura do poder midiático se pulveriza com o excesso de notas, comentários e postagens sobre um mesmo fato, tanto nas redes sociais, mais imediatistas, quanto nos blogs, mais reflexivos. "Isso é duradouro e cada vez mais reforça o poder da internet, inclusive demonstrando a capacidade de mobilização entre as pessoas. Ao mesmo tempo, ela é ruim quando deixa transparecer a violência dos discursos. Quando se observa, por exemplo, um excesso de pessoas denegrindo a imagem de alguém como o ex-presidente Lula, ou o preconceito contra nordestinos. É uma violência que existe mas que não era vista. Violência pesada, psicológica".

O excesso de visibilidade também tem outro viés: a superexposição da vida particular dos usuários das redes sociais. "É a publicização do privado. Algumas pessoas acham que estando na internet, estão na casa delas. Dizem o que querem, falam o que pensam. Não percebem que a internet é pública. Tudo que é dito ou escrito ali repercute publicamente", destaca a especialista.


Fonte: Sérgio Henrique Santos DN

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